sábado, janeiro 15

. como viver cem anos

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hoje, tudo que há em mim possui algo de você. dos sonhos e dos planos cambaleantes, surgiu um animal intenso, eterno e sobretudo quadrúpede. o desenho de estradas coloridas agora é feito a quatro mãos, de braços dados.

a minha pele não mais possui um cheiro único, porque o teu suor me banhou e o meu sono nunca mais será o mesmo, porque necessita do peso. carrego nos olhos a vontade de construir e nos ombros a suavidade do desejo.

serenidade e intensidade hoje habitam esse corpo, que não mais é um. como poderia ser, se a música que entoa dos meus poros canta os mais felizes segredos em teu ouvido? se as intempéries do tempo criam em nós uma chuva interna?

se estive aqui é por que, de alguma maneira, você estaria também. e se precisar partir, carregarei comigo os castelos criados, porque o futuro é aqui e porque tudo o que há dentro reverbera e se derrama.

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terça-feira, outubro 12

manifesto antiarrefecimeto

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em poucas horas meu pensamento gira 360º em torno da terra, dá várias voltas pelos confins do mundo e retorna a um lugar inventado. universo meu. teu. em expansão. de difícil explicação, de impossível gestão.

micro-experiências dão lugar a uma milenar carga histórico-filosófica; então compartilhe comigo suas incoerências, que te ofereço meus equívocos. nômades numa estrada fluida, passeando pelos vácuos do cotidiano. superfície esburacada que incorpora inconstâncias, realidades outras. existência dilatada que emite um sincrético passaporte para o país do mistério, que é o ser. sobretudo engole minhas mãos e faz delas um arauto, correio da delicadeza e do prazer.

compartilhar paisagens faz derramar sentidos; sutilmente cresce o assombro dentro de mim..


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terça-feira, setembro 7

janela

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ao sair de sua sala climatizada e impessoal, respirava fundo o ar poluído e decadente do centro da cidade e recriava os lugares soprados por sua memória afetada e pueril. se a beleza está nos olhos de quem vê, a decadência se encontra impregnada no corpo de quem a exala. sendo assim, criava expectativas sobre a noite que estava por vir e lançava seu corpo ao idealizado encontro com as questões do mundo. o dia seguinte não esperaria, o tempo não dá trégua.

a vida é rio que corre em desatino e a emergência da novidade e da descoberta alimenta seu personagem e ressignifica necessidades. novos lugares, novos ares e novas pessoas; um passeio frenético e introspectivo. esperava descobrir algo novo sobre aquilo que já conhecia. para essa empreitada, treinara os seus sentidos desde onde sua mais remota memória pode vislumbrar. os olhos, apesar de pequeninos, são sua janela para o mundo: desbrava o universo, que é o outro, e alimenta sua alma.

sim. é a alma do negócio. e quando consegue estabelecer conexões, sofre e se alegra simultaneamente. e quando sonha se reporta ao tato e ao paladar; e quando acorda permite que experiências surrealistas tomem conta de seu corpo e corre em busca daquilo que ainda não vislumbra ao fim do caminho. porque o fim é o começo e porque as imagens, mais que eternas, são fugazes.


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sexta-feira, setembro 3

espraiamento

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soube, por acaso, que quando tentava escrever se jogava porta afora, adentrando o mundo. ser externo.

do editor de textos surgiam palavras de becos; do olho da rua, do furacão, de paixão e desassossego.

nos mantras entoados, a distração resguardava o medo do arrependimento e lançava pelas frestas da memória um aroma pueril e nostálgico.

ser extremo, dilatado e descamisado: invasor de terrenos e destruidor de porteiras.

e ainda assim, ensimesmado.


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sexta-feira, agosto 27

a espreita na noite clara lua na rua de ladrilhos ao som distante e distoante, quase que não se escuta a música e todo o resto dos sons. o resto. quase que caio e quase que sou: metade de um todo incompleto. estadias habituais em estado de árvore. fruição de um corpo máquina ambulante-ambulância de si. Na ruela, por vezes cinza e outrora aquarela, o entrelaçar de corpos escreve a história de não ser e tornar-se líquido límpido. em água-clara enlameada, edificamos os tijolos da breve estada dos prazeres: aleatórias paisagens e interfaces instantâneas.

segunda-feira, julho 5

de sobressalto

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cama . festa

sempre . algo mais

descobr.e.ssências

partituras . lascívias



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poeminha ou gracejo de junção

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febril

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e faz de conta que naquele dia de chuva torrencial, você não me deixou a ver barquinhos de papel na calçada da casa de tijolos rústicos. uma piscadela e pronto, nada mais restava entre o meu peito nu e a tua muralha de insensatez.

iluminando as vertentes do trôpego caminho de sol a pino, as dezesseis luas de júpiter zombam dos teus trejeitos mais elementares e indiscutivelmente humanos.

nascidos do barro e da costela, os sentimentos confluem sempre para a mesma direção, a do desencontro alumiado por incertezas. deu febre, foi ardente; marca indelével da memória aquecida pelo esquecimento. a todo vapor..

na rua de sempre, tudo difere.

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terça-feira, junho 8

a noite 1/2

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tenho vontade de escrever um livro.

seria o livro das pessoas doces e bonitas, dos aquarianos. não seria um romance. o recheio teria sabor de contos, crônicas e poemas, assim seriam consumidos em doses homeopáticas. como um livro de cabeceira, a ser lido antes de dormir; ou como um livro de viagens, companheiro de andanças, parceiro e encorajador. queria, também, que ele espantasse a dor, caso você tropeçasse pelo meio do caminho.

nele, não faltariam sonhos. mas não seriam somente aqueles que se assemelham a esperanças vãs... eles seriam palpáveis, lúdicos e nos remeteriam às estratégias e às possibilidades.

também seria um livro de busca, de pulsão-pulsação-fruição. um livro de não-saber, e que por isso mesmo, possibilitaria a procura, a criação e a união.

em suas páginas amareladas ecoaria um jardim musicado, de arte e hortaliças. seria um emaranhado de escritos que nos permitiriam viajar, tanto mentalmente quanto fisicamente, no sentido mais literal de ambos.

seria um roteiro literário, que um dia, poderia vir a se transformar em um vídeo-poema. correria o mundo, desencapado, permitindo-se à vida, às intempéries e ao gozo.

um diário de bordo.

uma bússola.

um documento fantástico.

um mundo m[t]eu.

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sexta-feira, junho 4

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Um olhar impiedoso lançado contra aquele que evidentemente nunca te fará mal e que provavelmente nunca te deixará na mão. Tão ensurdecedora é a macabra sinfonia da indiferença, que as ideias ficam desbaratadas e o manual de procedimentos se transforma em apenas mais um estorvo.

Sentimentos que se deixam escapar nos olhares lúgubres, com leves tons de reprovação, transformam a ciranda, outrora alegre e colorida, em um circo freak e perverso. O tom da tua pele queimada pelo sol deixa transparecer que Balzac se apossara de teu corpo assim, sem muitos estardalhaços. Porém, os olhos cansados do caminho à médio prazo, denunciam a estirpe dos eternos jovens adultos solitários.

Longe de deter a lendária auto-confiança alardeada por aí aos quatro ventos desde o início dos tempos, toma atitudes mesquinhas e beijadas pelos sutis lábios da emulação. Faz do seu mundo, já duro em sua essência frívola, um pântano de sentimentos toscos enlameados de insensatez.

Ouça: passos de dança podem [e devem] ser compartilhados com pessoas especiais. No entanto, mais importante que agraciar estranhos com graça e delicadeza, é preservar o que foi ladrilhado com esmero e encoberto pela cuidadosa superfície da diligência.

Hoje, tenho um rosto enrubescido pelo tom do esquecimento.

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terça-feira, maio 25

êxodo

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pronto.

agora sinto tudo essencialmente inacabado.

meu quarto e sala anda apertado, nele não cabe mais o móvel que bombeia o fluxo.

mais embaixo, no hall, faz um frio que se aquece com as voltas dos vaga-lumes que teimam.

o cintilante tom da distância é secundário, pois descobertas de novos mundos sempre causaram revoluções.

sinto a terra em transe sob meus pés cansados de caminhar contra a corrente, e permito-me atingir um meio de caminho.

encontro-te circunstancialmente em minha memória olfativa, tendo a gélida incerteza da presença material.

nesses casos, a matéria pode ser momentaneamente secundária. se tiveres a certeza da fome compartilhada, o banquete será a condição irrevogável.

toma minha pequena persona e cria felizes rearranjos soprados em uma mesma direção. necessariamente àquela que leva ao encontro, sua especialidade.

certo como dois e dois são cinco, me lanço em tua direção.

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